segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Por que o Capitão Nascimento virou nosso herói nacional?

Após ler a matéria da revista “Veja” comecei a meditar do por quê o capitão Nascimento, personagem principal dos filmes “Tropa de Elite 1” e “Tropa de Elite 2” causou uma comoção psicológica tão grande no povo brasileiro.

Cheguei a algumas conclusões interessantes.

Primeiro, o raciocínio mais óbvio e clássico é: porque o Capitão Nascimento personifica a imagem do homem que não se corrompe por nada e que luta, ainda que sob pena de perder algo de si mesmo, contra a injustiça e impunidade. Mesmo usando métodos pouco ortodoxos e que seriam repreendidos em outro contexto. Ele fere a regra e a moral para lutar por princípios que o brasileiro considera pouco eficientes no cenário brasileiro, excesso de burocracia e impunidade legal. Com um tiro ou com uma denúncia ele desbanca o bandido da rua ou de colarinho branco.

Mas essa análise já está bem colocada por todos os lugares. Pessoalmente, essa comoção emocional também me cativou e saí pego em meus pensamentos do cinema. Ele também virou meu herói por muitos dias. Porém, quero seguir um pouco mais adiante com o raciocínio.

No consultório psicológico, percebo que o que mais aflige as pessoas, principalmente em nossos tempos pós-modernos, é que já não há nenhuma estrutura institucional e social (como a família, a igreja e o estado) que determine de maneira totalitária, absoluta e inquestionável os parâmetros que precisamos seguir. Não podemos dizer que uma só forma de pensamento religioso, partidário ou regra familiar define nossas ações com garantia total.

Frases como “o que meu pai fala eu faço, porque ai de mim se não fizer!” ou “o padre falou no sermão de domingo, então é bom seguir, pois Deus está olhando tudo” já não fazem mais parte do imaginário cotidiano. Ser tradicional e conservador é motivo de vergonha. E confesso, que nesses moldes antigos e rígidos, devem ser deixados de lado mesmo.

Mas o excesso de liberdade e opções que podemos seguir hoje (mudar de carreira, marido, país, religião) trouxe um benefício que, em nossa imaturidade emocional, causou um colapso cotidiano. NÃO SABEMOS LIDAR COM A LIBERDADE. Por que a liberdade necessariamente vem acompanhada de assumir a responsabilidade das conseqüências de cada ato. Sou livre, ótimo, grande coisa, mas a cada ação livre fico imediatamente preso em cada conseqüência dela. A liberdade me confronta comigo mesmo. Quanto mais livre, mais dono de minha ações sou e, portanto, não tenho mais como culpar meu pai, o padre ou o prefeito por nada na minha vida.

Se você machuca alguém que ama, leva um dinheiro por baixo da mesa, pula cerca, abandona seus pais idosos, agride e negligencia seus filhos, prioriza acumular bens e abrir mão de princípios de vida, enfim, toda sorte de pequenos “delitos” cotidianos, é a você e só a você mesmo que cabem as conseqüências.

Não foi o padre que pulou a sua cerca, o presidente que humilhou seus filhos ou seu pai que aceitou propina, foi você.

O artista da novela que bate na esposa, não diminui o fato de que você trata sua esposa como se fosse uma coisa ou seu marido como se fosse um imprestável. É você que faz isso, ainda que o artista faça.

Meu segundo argumento, portanto, é que o Capitão Nascimento com sua determinação e idealismo moral suspende (teoricamente) a nossa sensação de ambigüidade emocional. Aquela idéia de que não faço aquilo que sinto ou penso, de que sou incoerente, cai por terra com o líder fictício do Bope. Sou apenas um homem que deseja à justiça custe o que custar.

Na realidade somos bem diferentes. O cara ama a esposa, mas transa com a secretária. Ela ama o marido, mas prefere comprar uma jóia. Ele prega espírito de equipe, mas suga o sangue dos funcionários até onde pode. Ela prega moral, mas adora falar mal de todo mundo como se fossem a escória da humanidade.

SOMOS CONTRADITÓRIOS POR NATUREZA. Somo esquisitos, pendemos para os dois lados e agimos de forma ambivalente a todo o momento. Para onde pender nosso prazer, desejo de satisfação imediata e necessidade de se sobrepor aos outros ali estará nossa ação, ainda que seja contrária ao que falamos no minuto anterior.

“Fred, você está dizendo que nos vendemos fácil e que não devemos acreditar em ninguém?” Com certeza é essa a frase que vou ouvir de alguns, e já respondo. Sim, nos vendemos fácil, concordando ou não com isso. Basta um pouco de dor de um lado e um pouco de prazer à curto prazo de outro que descambamos para o prazer à curto prazo. E se suportamos a dor de um lado é só para nos sentir moralmente superiores aos outros, ou seja, apelamos ao desejo de poder e superioridade moral, invisível, mas igualmente saboroso. O sujeito não comete erros, não porque seja o correto, mas só para se vangloriar que não erra e assim continuar falando mal do vizinho. Podre do mesmo jeito.

Queremos banir a hipocrisia e a falsidade de perto de nós, mas somos profundamente hipócritas no cotidiano. E confiar ou não nos outros é sempre um risco que decidimos correr ou não, dependendo do que desejamos para nossa vida.

O psicólogo, como o padre de antigamente, ouve confissões inimagináveis. Ouço pessoas que são vistas pelo público como irrepreensíveis confessarem grandes “fraquezas” no consultório. Eu pessoalmente acho de uma coragem e força essa confissão, apoio a pessoa que quer olhar pra si mesma com honestidade absoluta. É doloroso olhar para si mesmo com esse grau de detalhe. Assumir que é incoerente (que aquilo que prego não é aquilo que falo) soa pra mim como uma das atitudes mais honrosas de uma pessoa.

Por fim, o terceiro ponto é, que o Capitão Nascimento, representa aquilo que gostaríamos de ser, mas não somos: coerentes. Mesmo quando ele mata, ele é coerente com uma meia dúzia de valores (não estou questionando ou concordando com a validade ou moralidade disso) que traz dentro de si. Ele quer acabar com o crime de rua, portanto, mata o agente do crime, o bandido. Quer encontrar um bandido perigoso, portanto, tortura outro bandido informante. Ele quer denunciar a corrupção de um sistema, portanto, delata os nomes e datas dos autores sob pena de ser expulso da corporação. Ele é coerente dentro da lógica dele.

Ao passo que nós, somos bem incoerentes, pregamos o amor e fazemos uma guerra dentro de casa, desejamos a humildade, mas nossa opinião sempre tem que fechar o assunto.

“Mas Fred, afinal devemos ser coerentes ou incoerentes?”

Não tenho a resposta pra isso, pois isso seria me colocar como juiz de um dilema universal e antigo. Mas gostaria com esse texto dizer que, dentro de nós habita uma série de estrelas que norteiam nossos caminhos morais, mas também habita uma bússola quebrada que busca satisfação dos mais suculentos de nossos desejos imediatos.

E que ser humano e maduro, é acima de tudo, assumir que desejamos a paz, mas nem tanto, queremos o amor, mas com moderação, a fidelidade é correta, mas com questionamentos. Que haja um caminho que desejo seguir sem deixar de admitir que também gosto de atalhos escusos. Que quero ser bom, mas nem sempre. Enfim, que é bem provável que o mundo encantado, sem a presença do mal, seja um conto de fadas impossível, e que afinal de contas, sou o lobo mau, a chapeuzinho e a vovózinha coabitando no mesmo corpo.

E só considerando que a presença do mal está bem próxima de mim e em mim que posso ser realmente humano...

Diante disso, enfrente a realidade ou PEDE PRA SAIR!

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