quarta-feira, 24 de março de 2010

Isabella, Nardoni e Madrasta



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Abrigam "demônios" incontroláveis
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O julgamento de Nardoni e Ana Carolina Jatobá ergue um fantasma antigo da época da morte da menina Isabella: até onde pode ir a ação dos pais contra os filhos.
Quando escrevi sobre o julgamento de Roger Abdelmashi não entrei no mérito jurídico, se é ou não culpado.

Mas escrevo no âmbito da psicologia e o que esse fenômeno de mídia provoca nas pessoas.
Por que um caso desse causa tanta comoção?
Por que mexe com um tema considerado sagrado: o amor dos pais pelos filhos...
Acreditamos instintivamente que um pai e uma mãe garantiriam todo o bem-estar e integridade física, emocional, mental e espiritual da criança.
No entanto, vemos na prática uma série de problemas em torno da educação dos filhos.
Os pais não são perfeitos, são humanos e cheios de limitações como qualquer outra pessoa.
A hierarquia natural de força física, desenvoltura emocional, bagagem intelectual e vivência coloca os filhos numa condição desfavorecida.
Estão sob o jugo dos pais em todos os sentidos. Pais impulsivos, ansiosos e agressivos irão ver na criança impotente uma forma de extravasar suas frustrações, insatisfações e infelicidades. Pais que se mostram excessivamente zelosos e cuidadores também podem correr esse risco.
Nenhum pai ou mãe está isento de cometer exageros em nome de um "amor paternal". Por isso o que aconteceu com Isabella incomoda tanto, cada pai e mãe se vê confrontado com seu próprio desequilíbrio e descontrole.
Mas como não sabem lidar com esses sentimentos projetam na figura de Nardoni e Jatobá sua hostilidade. É mais confortável acusá-los e condená-los do que meditar sobre o próprio papel na educação dos filhos.
Nada a favor ou contra a Ana Jatobá, mas as madrastas são o alvo predileto para projeções das sombras da mãe.
Antes de julgar o caso Isabella procure mergulhar um pouco mais profundo em sua indignação e perceberá que existem camadas no seu inconsciente que abrigam "demônios" incontroláveis.
E sabe por que os pais agridem os filhos? Porque eles sentem que podem... São mais fortes e têm o álibi de "estou só educando".
Diante de minhas palavras muitos pais podem pensar: ele está sendo muito duro ou cair num vitimismo do tipo: errei em tudo na educação do meu filho.
Nenhuma coisa e nem outra são verdadeiras, mas analise no fundo do seu coração: seu filho (apesar de todo o amor que sente) lhe provoca profundas sensações de desconforto, rejeição, impotência e raiva. Tudo natural... Mas se você nega esses sentimentos é provável que vá descarregar sua agressividade num momento inadequado e numa intensidade desproporcional.
Medite e reflita antes de condenar qualquer pessoa no tribunal do seu coração...


sexta-feira, 12 de março de 2010

Vida e morte

Muitas pessoas se vêem com o medo da morte. Atendi uma pessoa que perdeu recentemente uma pessoa muito querida em sua vida, "ela era tudo para mim!". Agora, após um tempo ela própria se via com medo de morrer subitamente como aquela pessoa.
Disse a ela: "você parou para pensar que ela morreu da melhor maneira que poderia morrer?". "Subitamente? Foi terrível!", ela me respondeu. "Sim, subitamente e fazendo coisas muito normais como escovar o dente, pentear o cabelo e prepara-se para dormir, por que não dizer num dia feliz".
Eu e a paciente fomos tomados de espanto com essa visão das coisas (as vezes eu me espanto com as coisas que eu falo). E enquanto eu a atendia e outras idéias surgiam eu próprio me alimentava desse raciocínio.
Como queremos morrer?
Winnicott, famoso psicanalista britânico de atendimento à crianças diz num texto conhecido "Deus, me permita estar vivo quando eu morrer!".
Essa idéia me tocou profundamente quando eu li. Estar vivo e pleno no momento da morte, não é o máximo?
De acordo com sua reação você pode conhecer um pouco a seu respeito e da maneira como vive!
Se você pensou "eu não, ter que deixar tudo que estou fazendo, ainda não realizei nada que queria!". Isso talvez denuncie que você está vivendo excessivamente preocupado com o futuro e pouco atento em como está levando sua vida hoje. Mas seu futuro é resultado de hoje! Contraditório! A pessoa leva uma vida miserável e triste hoje para no futuro colher bons frutos. Lá na frente ela estará tão amarga e desacostumada com o bem-estar que não nem saber e poder usufruir o que conquistou.
Outros pensam "eu queria morrer dormindo". Isso revela que ela quer morrer sem estar presente e evitando todo tipo de desconforto. É provável que viva dormindo agora, evitando qualquer tipo de emoção ou experiência mais forte e significativa.
Notem qual pobre é esse tipo de raciocínio! Como estamos evitando momentos especiais na nossa vida. Como somos previsíveis, conservadores e preconceituosos. Mortos-vivos...
Disse para ela, quando você tiver medo de morrer e seu coração acelerar pelo menos levante da cama e sambe, morra alegre! O riso foi inevitável de nós dois.
Você tem medo de sentir saudade das pessoas caso descubra que existe uma vida do lado de lá?Melhor ter saudade do que rancor. Melhor uma vida que valha a pena do que uma vida arrastada onde você não se sofreu, mas também não gozou nada.
Viver com planos é ótimo, desde que você saiba que uma há cláusula desse plano que diz: "é possível que precise abandonar esse plano a qualquer momento!". Casa, carro, roupa, dinheiro são muito importantes, mas se você não estiver usufruindo a vida enquanto conquista tudo isso eu diria que são apenas distrações inúteis. Distrações que você criou para fugir de si mesmo!
Se você tem algo a dizer diga, se quiser abraçar abrace, se quiser casar case, se quiser ter filhos tenha, se quiser abrir mão disso tudo abra. Coloque a vida em movimento, pois o enigma da morte é revelar de que modo viver até lá. E esse lá pode ser daqui 50 anos ou daqui 5 segundos.
Portanto, saia da frente desse computador agora e vá fazer algo que tenha significado pessoal à você! Se tiver vontade, é claro!

quarta-feira, 10 de março de 2010

Você é transparente?







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Seu profundo medo de ser

ferido emocionalmente

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Hoje em dia há uma mania de algumas pessoas afirmarem "eu sou transparente, sincero e espontâneo, quem quiser me aguentar que já saiba que eu sou assim! Eu falo o que tiver que falar para quem quiser! Falo na cara!"

Acho estranho isso... Realmente acho...

Tenho até um pouco de dó das pessoas que falam isso... Ou compaixão, sei lá!

Mas quando eu ouço isso eu leio nas entrelinhas "já fui tão machucado pelos outros, estou com medo de não ser amado e por isso eu ataco antes de que alguém me faça algum mal!"

É uma realidade triste que vive esse tipo de pessoa, está sempre desconfiado, tenso e na defensiva. É um desgaste sem tamanho para conseguir imprimir uma personalidade aparentemente espontânea e forte.

Curiosamente ela associa espontaneidade com agressividade, pois o jeito sincero é aquele que só é capaz de falar verdades duras. Na sua maioria, verdades cruéis.

A pretexto de transparência algumas pessoas se tornam sincerocidas, matam o outro com tanta sinceridade. Acreditam (sem perceber) que a unica coisa espontânea que pode sair dela são palavras duras. Como se carregassem uma coisa ruim dentro dela.

É difícil ver essas pessoas dizerem que amam, sentem falta e estão frágeis. Se fossem transparentes esses sentimentos também viriam à tona.

A dificuldade de mostrar sua vulnerabilidade denuncia seu profundo medo de ser ferido emocionalmente. Adotam uma postura na vida que chamamos de contra-fóbica, de tanto medo que tem adotam uma postura extremamente oposta.

O medo de ser rejeitado é tanto que a pessoa escancara seu jeito bélico de ser, na dentro está encolhida morrendo de medo de ser criticada. E se caso for criticada já tem uma contra-crítica na ponta da língua "eu não preciso de você pra nada, você não paga minhas contas, então pouco me importa sua opinião!". Mentira, tudo mentira, pois ela rebate o golpe só para não sentir a dor de ter sido repudiada.

É como se dissessem "sou podre por dentro, ninguém gosta de mim, sendo assim você vai se atrever a gostar de mim?". É como se impusessem uma bateria de testes para que os outros provem que a amam. Após inúmeras "provas de amor" aceitam o candidato.

A pena é que esses candidatos a amigos são sempre pessoas de personalidade frágil, dependente e com uma autoestima no pé. Por essa razão se escondem debaixo do guarda-chuva tempestivo da pessoa "sincera". Melhor ser amigo do que inimigo, elas pensam. Acabarão sendo um penico ao ouvir as verdades duras da boca do sincero, que sempre falará com ar de "estou falando para o seu bem, para você crescer e parar de ser pacato, você tem que se posicionar mais!".

Se os amigos do sincero fossem se posicionar diriam "você é grosseiro, cruel, sarcástico e já me fez chorar muitas vezes, nem sei porque gosto de você, acho que porque eu não tenho um pingo de amor próprio, pois se tivesse eu mandaria você para a p. que o pariu! Quando você vai perceber isso, se tratar e demonstrar carinho sem ser alternado com pancada?"

Você teria orgulho de dizer daqui pra frente que é sincero e transparente?

quinta-feira, 4 de março de 2010

A maior sombra: o eu

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Caminha na terra com a mesma

condição de mortalidade dos demais

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Qual a maior sombra da humanidade?

O desejo de poder. Certamente essa é a maior sombra que todos carregamos e que está fundada numa base simples e comum a humanidade: o sentimento do EU.

É fundamental o sentimento de termos um EU que pensa, age, vive e tem alguma lógica coerente. A capacidade de sentir que eu sou um EU me ajuda a governar meus passos.

No entanto, associado à esse sentimento há outros que marcam o exagero dessa idéia de EU: o exclusivismo e privilégio.

Chamarei esse trio de EU, exclusivismo e privilégio de “EUlândia”. Vivemos nesse parque de diversões desde pequenos. Somos exclusivos da nossa mãe, alimentados, cuidados e acariciados como se fôssemos únicos. Com o tempo descobrimos amargamente que somos mais uma entre várias fontes de satisfação para a mãe. Mas guardamos esse sentimento de nostalgia. Queremos ser exclusivos para tudo e todos, não toleramos dividir atenção e amor.

O privilégio segue na mesma lógica, pois como somos exclusivos precisamos ser prioridade. Basta ver o trânsito paulistano, cada motorista acredita que só ele precisa chegar mais rápido no seu destino. Por isso age como se tivesse preferência em relação aos outros. Quando algo ruim acontece na vida de alguém ela se pergunta “por que eu?”, oras, por que não ela?

Os moradores da “EUlândia” não conseguem ter uma empatia sincera, de realmente se colocar no lugar dos outros. Perdem a noção de que não são os atores principais do filme cósmico. Agem como se estivessem interpretando a saga de suas vidas exclusivas e privilegiadas e que os demais são meros coadjuvantes e figurantes. Peças no seu tabuleiro que podem ser colocadas e retiradas quando quiser.

Todo o sofrimento do “EUlandes” gira em torno de seus fracassos, pois acredita que a vida deveria favorecê-lo frente os demais. Sua lógica competitiva não lhe permite perceber que caminha na terra com a mesma condição de mortalidade dos demais.

Aliás, a morte é um assunto tabu para o morador da “EUlândia”, pois a finitude confronta seus sentimento de privilégio, pois nem ele será poupado de um dia deixar a terra como todos os outros. Feiúra, doença e velhice são temas proibidos porque remetem à decrepitude humana.

O “EUlandes” não pode esperar, é ansioso, controlador, irritado e acredita que se der um jeitinho tudo chega conforme seus desejos. Se é um morador da “EUlândia” competente e persistente ele até pode conseguir alguns resultados e obter sucesso, mas se não for tão bom nisso é capaz que fique depressivo e reclamando que nada sai ao seu gosto.

Essa busca de dominância do EU sobre o mundo e os outros causa tantos problemas de convívio que eu poderia passar horas enumerando eles.

Mas por hora, já está bom! Viva a “EUlândia”!


Ps: sei que fiquei afastado do blog, só estava recarregando as baterias sombrias! Estou de volta!