sábado, 16 de outubro de 2010

Os últimos passos de um homem

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Todos têm um lago de dor dentro de si

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Acabei de ver pela centésima vez o filme "Os últimos passos de um homem" com as interpretações magistrais de Sean Penn e de Susan Sarandon. Esse filme sempre me toca. Acho que é um filme que retrata de maneira brilhante o verdadeiro confronto com a sombra.

A sombra, dito de outra forma, é a verdade sobre nós que omitimos de nós mesmos e do mundo que nos cerca.

Esse filme retrata a trajetória de redenção de um homem que foi condenado a morte por ser acusado do assassinato de um jovem casal de namorados e o estupro da jovem. Mathew Poncelet (personagem de Sean), jovem perturbado pela ignorância, prepotência e busca de prazer a qualquer custo se confrontado com suas próprias ações destrutivas. Culpa o estado, as pessoas, seu parceiro de crime menos a si mesmo.








Entra na história a personagem de Sarandon a freira Helen que percorre junto com Poncelet uma caminhada de confronto com uma verdade dolorosa. O objetivo inicial dela é fazer com que aquele condenado a morte possa se redimir de seus pecados, como manda a tradição católica.

Quando assume o posto de conselheira espiritual de Poncelet, Helen se vê diante de muito mais dramas que imaginava a início: a dor e ódio dos pais das vítimas, a pressão do governo em relação a pena de morte, a indignação das pessoas frente sua defesa de Poncelet, e a comoçao de toda uma comunidade ressentida com um crime hediondo.

Helen está diante de um embate social, psicológico, religioso e político, mas nenhum se compara com o dilema espiritual que ela enfrenta: como ajudar um homem a obter perdão depois que cometeu um ato de perversidade inimaginável?

Essa questão é profundamente tocante para mim. Pois todos nós carregamos uma parte perversa, outra vitimizada e ainda outra profundamente lúcida e cheia de compaixão.

O filme transcorre num esforço de grande amor por parte de Helen em ajudar um homem a sair da posição de vítima das circunstâncias e confrontar-se com seus atos terríveis a fim de alcançar toda a compaixão por si mesmo, ainda que esmagado pelo peso moral de seu crime.

Todos nós, em algum momento da vida, somos levados a encarar nossas próprias atitudes vis. Perceber que nem todos os nossos gestos são motivados por amor, carinho, respeito e justiça.

Que podemos ser bem cruéis com as pessoas que mais amamos. E que além de autores de dramas sem fim, também saímos chamuscados desses conflitos.

Todos carregam consigo suas cicatrizes. A pessoa que se recusa a olhar para suas marcas torna-se fraca e inexpressiva, e a pessoa que se nega a perceber as feridas que provoca nos outros caminha sem consistência anímica.

Passar pela vida sem marcar ou ser marcado por alguém é uma tentativa ingênua e inócua de viver como uma criança, com uma pureza impotente. São nossas marcas e cicatrizes que nos tornam o que somos. Cada vinco de nosso rosto manifesta os risos e choros que tivemos ao longo do percurso.

Todos têm um lago de dor dentro de si e é importante que não tentemos secar esse lago, sob pena de ter uma vida sem movimento. As cicatrizes também nos pertencem na forma de aprendizado, saudade e superação. Evitar que nunca machuquemos ou sejamos machucados seria escolher por uma vida onde as águas calmas nos deixariam paralisados...

Para um homem enfrentar seus "últimos passos" em direção a morte inevitável é preciso conviver com os cacos daqueles que amamos e odiamos na vida... É essencial suportar os cacos que carregamos de nós mesmos...

A trajetória de Matthew Poncelet no confronto com seus demônios é o retrato mais fiel que já vi de uma pessoa frente suas ações nefastas, ele as encara, assume e aceita as conseqüências dolorosas que as seguem.

Um comentário:

  1. Ótimo texto Fred!
    Como sempre, você define como ninguém algumas coisas que,às vezes, estou procurando definição dentro de mim, e não encontro!
    Eu lembro de você quase que diariamente, porque vivo lembrando a mim mesma que não é necessário aprisionar minha parte sombria no "porão do navio"... Quando começo a esquecer disso e a valorizar só a minha parte luz, começo a sentir inquietação, medo... e os pensamentos menos nobres, digamos assim, começam a aparecer e me assombrar...
    Então me lembro de você!
    Bato um papo com a parte sombra, reconheço que ela existe e faz parte de mim, procuro acolhe-la e aceitá-la.Digo a ela que pode até se manifestar, mas normalmente, não é necessário... Então volto a me equilibrar! A ficar bem.
    Desenvolvi uma técnica particular para estabelecer esse diálogo apacificador: Quando sinto que é necessário, escrevo uma carta para a minha sombra, com carinho e respeito... Tem dado super certo!
    Já descobri que o mais importante é não ignorá-la. Devo esse aprendizado a você!
    Abraços,
    Cláudia Espinosa Garcia

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