sábado, 15 de maio de 2010

A busca da perfeição e o canto das sereias

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É pagar um preço alto
para se viver infeliz
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Hoje em dia somos confrontados com uma busca constante pela perfeição. A mídia refletindo uma ânsia coletiva e ideal cria uma demanda incomparávelpor excelência profissional, ética, corporal, intelectual, financeira e outras.
O desejo de perfeição que sempre foi humano, na atualidade, assume ares desumanos. A busca pelo corpo e a saúde perfeitas com numa briga constante conduzem pessoas a tratamentos e procedimentos médicos exagerados.
Na clínica me deparo com pessoas de todos os tipos, algumas mais e outras menos bem-sucedidas e, no entanto, quase todas insatisfeitas.
O que levaria uma pessoa bonita, com dinheiro, status e prestígio social sentir-se infeliz mesmo com tudo o que tem?
Certamente é o nível de expectativa que nutre em relação à vida.
Se a perfeição é a meta, a insatisfação crônica é o resultado.
Muitas pessoas dizem "busco a perfeição, apesar de saber que ela é inatingível"
Isso me faz lembrar a lenda do herói grego Ulisses na Odisséia, quando retorna para casa depois da Guerra de Tróia após dez anos de luta.
Entre tantos inimigos e criaturas que ele precisa enfrentar, além da fúria dos deuses, uma em especial me chamou a atenção.
Ele foi avisado que perto da Ilha de Capri enfrentaria o canto das sereias. Mulheres muito bonitas tentariam, com seu canto, atrair os marinheiros para o fundo do mar a fim de devorá-los.

Ulisses tomou uma sábia decisão, pediu que o amarrassem ao mastro do navio para que resistisse à tentação de ir ao encontro delas. Quanto aos marinheiros, colocou cera em seus ouvidos para que não ouvissem o canto das doces e terríveis criaturas do mar.
Alguns aceitaram e sobreviveram, outros se recusaram e foram engolidos pela sua prepotência.
Penso que a busca da perfeição é como o canto das sereias. Mulheres lindas e apetitosas que se revelam incapacitadas de oferecer o gozo que os marinheiros procuram, ou seja, inalcançável.
A ilusão de que poderiam dar prazer ilimitado é substituida por morte por afogamento ou devoramento.
A busca da perfeição nos conduz ao mesmo. Quantas vezes nos atiramos numa busca fantástica por um comportamento exemplar, não-humano e inatingível e nos devoramos por dentro com autoacusações de incompetência?
Ulisses passa pela tentação mais dolorosa, pois se permite experimentar o canto, vislumbra o paraíso de perto, mas resiste. Ele procura se fixar no princípio de realidade e saber que aquela promessa de prazer ilimitado é uma doce ilusão.
Estamos em nossa odisséia como Ulisses, seremos tentados por exigências internas de deleites sem fim. Oras estaremos amarrados à realidade, oras surdos pelas ceras da negação. Também podemos sucumbir ao poder dos deuses e ser devorados.
Mas buscar o inatingível é pagar um preço alto para se viver infeliz com aquilo que não é, por que não é possível que seja.
A cura dessa maldição é estar firme no mastro de aceitar o que é como é. Aceitar a nossa condição humana que busca a transformação e abdica da perfeição, que não existe... Pois é a ausência de movimento, antítese da própria vida que se movimenta sempre!

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