terça-feira, 12 de outubro de 2010

A dor do amor

_______________________________________________
Se insistem para que eu diga por que o amava,
sinto que isso só pode exprimir-se respondendo:
"porque era ele, porque era eu"

Michel de Montaigne
_______________________________________________

Como tenho recebido muitas perguntas sobre o amor, acho que vou falar da dor de amor...




Por que nos dói tanto a perda de um amor?
Para entender essa dor é preciso que antes eu faça um apontamento sobre o que acredito que acontece, do ponto de vista psíquico, quando amamos alguém.
Todo ser humano traz consigo uma necessidade básica de satisfação dos desejos, absolutamente natural, certo? Devido isso, portanto, estamos sempre num embate entre desejo versus uma realidade que oras nos satisfaz e oras nos frustra internamente.
E nessa tensão constante e na maior parte das vezes inconsciente que se configura a angústia básica de ser humano. De um lado o desejo que visa satisfação e prazer e de outro a realidade que pode corresponder a esse desejo de forma mais ou menos organizada. E digo organizada porque essencialmente nosso inconsciente poderia ser visto como algo caótico e sem direção. Daí a nossa necessidade de criar símbolos psiquicos para organizar e dar sentido à realidade que se configura de forma também caótica e sem significado (essa não é uma visão pessimista da vida). O sentido e significado da vida não existe à priori, mas é construído momento a momento.
O amor por uma pessoa ou objetivo, portanto, é uma forma que encontramos de canalizar nossas energias mentais para um centro organizador que nos ajude a estruturar nosso desejo caótico em uma configuração mais ou menos suportável.
É como se a pessoa amada fosse nos ajudando a configurar parte daquilo que sou pra mim e pra ela. Por exemplo, quando você sente vontade de convidar a pessoa para um passeio, você precisa alinhar seus impulsos internos na direção daquele passeio e aquele vazio psíquico dá lugar a uma sensação de objetivo desejo-passeio-pessoa amada-eu que passeio-satisfação. Aquele passeio-memória fica associado com aquela pessoa daquele jeito ao mesmo tempo que me torna uma pessoa para aquela pessoa daquele jeito. Na medida que aquela pessoa é eu também sou, me mostro na medida que vejo e sou visto. Chamamos isso de sintonia amorosa "nossa eu sinto que te conheço há muito tempo!"
Na verdade na medida que percebo o outro também me revelo ao outro e a mim mesmo. é como se massa e forma se tornassem uma unica e só coisa, sem distinção. Sou massa e forma, a pessoa é massa e forma ao mesmo tempo. Passo a não ser eu apenas, mas eu em função de um outro. Não submisso, mas eu-outro que amo o outro-eu. Entenda mais no sentido filosófico da coisa.
Com o passar do tempo a pessoa amada vai ganhando cada vez mais corpo no meu inconsciente e eu também vou ganhando forma para mim diante desse outro amado. Ou seja, na medida que essa pessoa nasce pra mim eu também nasço pra mim.
Na medida que crio sou criado juntamente. O amor se dá mais ou menos assim... Não sei se soa muito romântico, mas a coisa acontece por aí. É um espelho que reforça o outro espelho.
A dor de amor surge da perda brusca da pessoa amada pela morte (luto), perda do amor (abandono) ou quando perco a imagem ideal de mim mesmo (humilhação).
É como se de um momento para o outro eu perdesse a forma que me dá forma e organiza meus desejos e satisfação. É como se um membro do meu corpo fosse mutilado e eu ainda permanecesse sentindo sua presença ali.
Essa é a sensação de buraco no peito que sentimos quando uma pessoa amada se vai. Nosso caos psíquico é exposto em carne viva. E é exatamente para suprir esse buraco que nossa mente cria uma proteção que ajude a configurar nossos desejos de forma mais ou menos coerente, mesmo sem a presença da pessoa amada. Quando a pessoa morre a sensação de irrealidade é tão absurda que mantemos por um tempo a impressão de que ela voltará a qualquer momento e todo o sonho ruim desaparecerá.
Me lembro que meu pai quando estava chegando em casa sempre balançava o seu molho de chaves do carro e de casa. Quando ele faleceu aos meus 18 anos, vez ou outra quando ouvia algum barulho de chaves de qualquer vizinho, instintivamente eu me postava de tal forma como se meu pai fosse entrar em casa. Como se um pequeno delírio momentâneo se apoderasse de mim, mas que logo era desfeito pela realidade dura de que ele jamais entraria por aquela porta. De que sua risada, seu pigarrear específico (minha mãe diz que pigarreio da mesma forma que ele) e forma afetuosa de me abraçar NUNCA mais existiria para mim. A mente cria uma pequena sutura para suportar uma realidade terrível.
Quando uma pessoa nos deixa essa mesma sensação de abandono precisa ser suprida em forma de hipervalorização. O vazio deixado é preenchido por um gigante psicológico que oscila entre só coisas boas ou só coisas ruins. "Não vivo sem ele" (idealização) oscila com "desgraçado que morra!" (raiva depreciadora), todas elas são formas defensivas de dar um formato para o lugar que antes era ocupado pela pessoa real (que organizava nossos impulsos caóticos). Maximizamos a pessoa amada que se foi para suportar a ausência de nós mesmos em função do outro. Preciso me apegar à uma imagem do outro (ainda que irreal) para poder dar configuração a mim mesmo. A dor de amor é uma defesa para que nossa mente não se rompa numa loucura sem sentido (que é a partida súbita da pessoa amada, justificada ou não).
Por isso que enquanto há dor de amor, há sinal de vida, de que nossa mente está se reconfigurando e se reposicionando para direcionar seus impulsos caóticos numa outra direção. É uma forma de manter viva a imagem mental do desaparecido, e também a própria imagem interna.
Mudar de objeto de amor é uma boa saída, como dizem? Para esquecer um amor basta encontrar outro?
Na realidade não é possível um novo amor se um amor antigo não tiver o seu lugar.
Certa vez atendi um homem deprimido e que havia perdido seu filho num aborto provocado (na época justificado por imaturidade, falta de recursos) e que não conseguia se doar para seu filho que acabara de nascer. Em um dado momento da terapia eu disse a ele: "eu gosto de pensar que seu filho que nasceu adoraria estar sendo cuidado pelo irmão mais velho dele que não pôde vir ao mundo"
O rosto desse homem se iluminou e algo libertador aconteceu dentro dele. Ele pôde dar um lugar para seu primeiro filho e enxergá-lo como uma pessoa e não um "aborto-culpa". Seu coração foi preenchido pela existência de seu primeiro filho e somente à partir daí ele conseguiu um lugar para o segundo filho.
Da mesma forma no amor romântico, simplesmente tentar esquecer e enterrar uma pessoa e substituí-la por outra fará desastrosamente que essa segunda pessoa não tenha um espaço real.
A imagem do amor perdido não pode se apagar, mas sim se esgotar; a ponto do amor pelo antigo coexista com o amor pelo novo. Quando isso surge a pessoa saberá que o amor pelo novo nunca abolirá o amor pelo antigo.
Isso quer dizer que um novo amor só tem espaço genuíno se o amor pelo antigo for legitimamente reconhecido.
Mas nossa cultura coletivo sobre o amor não permite que sequer possamos sentir carinho e gratidão por uma pessoa à quem amamos no passado sob pena de ser alvo de um ciúme retroativo.
Mas na lógica psíquica o segundo só tem lugar efetivo se reconhecer que houve um primeiro. Nossa mente é sempre inclusiva e não permite exclusões.
Portanto, é preciso suportar um trabalho de luto considerável para que o amor fraturado decante em nosso interior à fim de nos devolver ao caos inicial que vá em busca de uma nova configuração em torno de outra pessoa amada.
Fácil? Simples? Prazeroso? Claro que não...
Pois é extremamente penoso ouvir uma música, ir à um lugar, ouvir pelo nome, sentir um toque sem associar imediatamente à pessoa amada que já não mais existe de fato ao nosso lado. Mas nessa dor que decanta lentamente que se revela suavemente uma outra faceta de minha própria identidade, agora transfigurada.
Muito complicado? Vá fazendo mais perguntas nos comentários ou no meu formspring http://www.formspring.me/fredericomattos

5 comentários:

  1. Há 1 ano estou separada. Meu marido me traiu e foi morar com outra, sinto muita mágoa, mais meu amor por ele continua. Tudo que eu faço lembro dele, quando saio com minhas filhas, parece que sempre está faltando alguém... Não consigo pensar em ter outro relacionamento...Já tentei até conhecer outros homens, mais não me interesso por ninguém. Ele sempre será o primeiro. Gostaria de saber como vou conseguir enxerguer outros homens, se o meu ex não sai do meu coração?

    ResponderExcluir
  2. Muito profundo,tocante,que veio lágrimas,e continua vindo,a impressão que dá,parece que o que voce escreveu sobre o amor eu não senti e nem meu ex-marido(se é que posso falar por ele),porque então estou tão emocionada????O que entendo, que o amor é sinonimo de qualidades,virtudes,relacionamento que deveria ser saudavel e não foi,foi um relacionamento de 21 anos "estranho",como disse a Del Mar,fui em Arautos e falei a ela que parecia ser de mãe para um filho,o rompimento se deu em dezembro do ano passado,já fará 1 ano, ele mal fala comigo,depois que fiz os niveis de consciencia(tres anos atras que fiz), fui entrando em contato com o meu eu,minha identidade e não estava bem com meu marido, e cada vez mais resgatando a minha identidade. Falava para este que não estavamos bem e ele sempre negava,resistia, falando que estavamos bem!pois bem, não deu mais,não conseguia ceder mais a ele,(sonhei que estava dentro de uma caixa voltado o rosto para a parede e não saia do lugar)não aguentava mais viver de aparencia!e toda vez que cedia,me sentia fraca!entao propus a separação, ele concordou,depois se arrependeu(me dado presentes)eu não aceitando,não cedendoPor achar que ficariamos do mesmo jeito), até que ele teve uma relacionamento,(eu descobri! e depois disso,sonhei que o casamento havia morrido,é dor de morte,arrancando um pedaço sim de carne!!!!em dezembro dia 24 abracei-o, foi um horror,senti a dor dele e foi aí que me arrependi, porém... ele não cedeu!Apesar desta reviravolta,cresci muito neste momento,tive muitas "caidas de fichas",sonhava com ele,resgatando um relacionamento saudavel, bacana,ele porém,resistindo,sem tempo(trabalha demais!)sinto-me forte,resgatando minha auto-estima,confiante,forte,só que ainda dói!
    E estou cada vez mais fazendo o caminho de volta,apenas com o meu "espelho,me tornando melhor,me revendo! Chega,"falei demais"!
    Grata!

    ResponderExcluir
  3. Adorei o texto foi muito esclarecedor, também perdi um amor e hoje sinto um carinho(amor)enorme por ele mas não como homem-mulher e sim fraternal, tenho um novo relacionamento ,mas me sinto um pouco perdida fora do eixo e esse texto me fez refletir se esse vazio que sinto, essa fé perdida não é simplesmente porque hoje não me permito amar mais , toda vez que o sentimento vem eu o bloqueio com varios argumentos para não deixa-lo expandir, tenho medo de sofrer tudo de novo...mas isso é um grande dilema pois, hoje sofro porque não me reconheço e também tenho medo de amar de novo e sofrer....????
    A pergunta que me rodeia è: Não da pra ser feliz sem um relacionamento amoroso???não dá pra se reconhecer, se encontrar sozinho???

    ResponderExcluir
  4. Respondi essas perguntas no meu forms
    http://www.formspring.me/fredericomattos

    ResponderExcluir