Pois bem, hoje nós morremos e matamos por causa de nossa reputação. Crianças nascem sob o peso de “e quando vocês vão ter filhos?”. Educa-se os filhos sob o império de “mas você não devia educar as crianças desse jeito!”. Passamos a pré-adolescência com a pressão de “vai beijar ou não vai beijar?”.
Depois do primeiro beijo logo vem a preocupação “e quando vai transar?”. Ao mesmo tempo dizem “você deveria estudar nessa ou naquela faculdade!”. Mas também dizem que você tem que trabalhar “se não vão achar que você é vagabundo ou coisa do tipo!”. Depois de formado tem que estar com um bom emprego ou “quer parecer um perdedor comparado com fulano!”. E tem que estar com casamento em vista porque “vai ficar pra titia!”. E logo a preocupação que os pais tiveram com a data de nascimento dos seus próprios filhos. Até pra ficar doente tem que pensar. E morrer? Tem que morrer “com dignidade!”
Isso é moral!
Um monte de coisas que dizem que tem que fazer. Que veio de lugar nenhum e vai para lugar algum. Ninguém sabe quem disse, onde está escrito e também quem vai cobrar depois, mas é melhor seguir. Se você não quiser ficar “mal falado!”.
Numa cidade do interior pelos anos de 1960 uma jovem moça usou calça jeans, tão habitual hoje em dia. Mas na época era um absurdo típico de mulheres fáceis, “da vida” e, portanto, não deviam usar esse tipo de roupa.
Essa moça tinha usado a calça, pois soube que era moda em Paris, cidade chique, segundo ela. Nos dias seguintes ela caiu sob uma chuva de acusações de todos os moradores da cidade. As outras moças foram proibidas de falar com ela, os rapazes (apesar de terem gostado) foram proibidos pelas suas mães de se aproximarem dela.
Na escola proibiram sua entrada. Enfim, foi condenada ao isolamento e em pouco tempo adoeceu de uma doença sem explicação. O médico da cidade fez vistas grossas à moça, pois foi pressionado pela Liga de Senhoras da cidade (perderia sua clientela) a deixá-la pagar os pecados. Em pouco tempo, para alívio da cidade e desespero da mãe aconteceu o funeral solitário da filha única.
Ela morreu sob o peso da moral de uma pequena cidade! Coisa estranha, morreu de ser mal-falada!
Isso é menos comum atualmente, mas no íntimo nós passamos pelo mesmo tipo de pressão em nossos pequenos círculos de convívio. A moral do nosso grupo, passa a ser a nossa moral. O que dizem que é certo é o Bem, o Belo e a Verdade, e o que dizem que é errado é o Mal.
No fundo quando nos sentimos bem é porque atendemos ao que nosso grupo determinou como bom, belo e verdadeiro e quando nos sentimos mal é porque contrariamos essas mesmas regras. Nossa consciência, portanto é restrita ao grupo que escolhemos pertencer, e nada mais profundo do que isso.
Nossa consciência é um punhado de regras que nos fazem sentir pertencendo ou não a uma comunidade. Não tem nada de divino nesse sentido. É a vizinhança, os familiares, os colegas de trabalho e a turma da igreja (terreiro, centro espírita, templo budista) que dizem o que você deve ou não deve fazer e não Deus.
Fique realmente tranqüilo, pois Deus não tem nada a ver com essas baixarias que inventamos na Terra.
O mais inacreditável é que repassamos essa moral à diante. Basta alguém fazer alguma coisa que eu aprendi que não devia fazer e, apesar de não concordar, eu também repreendo essa pessoa. É um cego guiando outro cego com uma regra que não faz sentido nenhum. “Me disseram!”, é a explicação.
Que profundidade!
Curiosamente já condenaram pessoas por levantar peso no dia de sábado, por não comer carne em uma sexta-feira do ano, por cobiçar o burrico dos outros, por mexer com ervas da natureza para fazer remédios, por descobrir que o Sol não gira em torno da Terra, por pedir o divórcio e vestir calça jeans!
Será que as regras que você tanto zela e se tortura por não cumprir serão levadas tão à sério daqui dez anos?
Aí logo vem a preocupação dos moralistas. Mas se não houver regras como ficamos? Ficamos perdidos, sem dúvida. Mas eu não estou falando de regras e sim de uma moral que inventamos.
A regra é um acordo que se convencionou em Lei. E cada país tem a sua. E segundo essas regras existem comportamentos que são passíveis de punição e outros não. Quem deve tomar conta disso é o delegado, o advogado e o juiz. Fora isso, todo mundo é palpiteiro e intrometido.
As regras estão bem claras na legislação (algumas ultrapassadas, pois a sociedade evolui). Mas a moral que se prega não tem nada a ver com legislação e sim com o sentimento de poder que as pessoas tem em julgar bem ou mal a vida dos outros conforme seus interesses.
Se eu ganho dinheiro fácil sou sortudo, mas se é o vizinho que eu não gosto digo que não é merecido!
Se eu me apaixono por outra pessoa que não sou casado penso que afinal de contas o casamento não vai bem e que mal tem. Mas se é minha cunhada digo que ela é uma vagabunda sem caráter!
As medidas são diferentes conforme o gosto do freguês!
O que chamamos de boa ou má moral são circunstâncias que inventamos para controlar os outros conforme nossos interesses.
Diante disso eu sempre pergunto para meus pacientes, será que você tem medo (tristeza, raiva, inveja, ciúme) disso ou está com medo do que os outros vão pensar?
Não preciso nem dizer a resposta!
Sofremos, de fato, muito menos por aquilo que fazemos, e muito mais por aquilo que os outros vão pensar ao nosso respeito.
Aliás, quem são “os outros”?
Se os “outros” forem as pessoas que estão perto de você eu lamento. Mas se os “outros” querem ver você feliz não vão se importar de ver você tomando uma decisão que te faça sentir melhor.
Mas se elas falarem contra você depois de uma atitude você vai descobrir quem realmente te ama e quem está preocupado em ter poder sobre sua vida!
E se disserem, “mas você vai sofrer!”, você pode responder, tudo bem, eu assumo as conseqüências.
Mas assuma, pois isso vai fazer você realmente se sentir maduro.
E sua vida vai ser muito mais profunda e ampla, muito além da moral!